Isa Ferraz:

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Sobrinha do militante da Ação Libertadora Nacional, Carlos Marighella, baleado e morto pela ditadura militar em 1969, Isa Ferraz leva às telas brasileiras, a partir desta sexta-feira (10/8), o documentário Marighella, obra que revela detalhes pouco conhecidos da vida do político baiano que, desde os anos 1930, militava pela justiça social, liberdade de culto e em defesa do divórcio.

Isa reuniu diversos entrevistados para contar as histórias que ouviu de familiares sobre o tio que, de tempos em tempos, passava a temporada exilado em sua casa onde se dedicava à poesia. Entre esses personagens está Clara Sharf, esposa do guerrilheiro por duas décadas. No filme, a viúva conta histórias de todos os tipos, que vão da luta contra ao regime à intimidade do casal.

Em entrevista ao Cineclick, Isa fala sobre a criação do projeto ainda na década de 80, que não foi adiante por falta de recursos, do trabalho de pesquisas no Brasil e no Exterior, e do prazer apresentar um ícone da esquerda brasileira e da história do país a uma nova geração de espectadores.

Do momento em que decidiu fazer esse tributo à história de seu tio, quanto tempo levou no processo de pesquisa e produção? Que caminhos percorreu para chegar ao produto final?

Venho pensando nesse documentário há muitos anos. Fiz um primeiro roteiro em 1986, mas não consegui recursos para o filme. Com a proximidade do centenário de Marighella – que, se vivo, completaria 100 anos em 5 de dezembro do ano passado – achei que havia chegado a hora. Ao todo, foram mais ou menos três anos de muito trabalho, com uma equipe pequena, mas muito boa. Pesquisamos muito, encontramos muitas dificuldades. Fomos atrás de material sobre Marighella no Brasil e no exterior – inclusive Cuba, Rússia e China – e não encontramos quase nada. Optei por desenhar seu retrato através de depoimentos de quem o conheceu. Esses depoimentos geraram um material denso e extraordinário, relatos profundamente íntimos e humanos. Assim, se por um lado eu não tinha imagens e documentos de CM, tinha muitas verdades sobre ele. Verdades filtradas pela memória, mas sempre verdades.

A atividade política de Marighella é muito extensa e sintetizar a história de vida de um homem como ele em alguns minutos de filme é algo difícil. Como foi o processo de montagem? Ficou muita coisa de fora?

Fazer um retrato é difícil, qualquer retrato. Nenhuma vida é simples. E há milhares de recortes possíveis. Mais difícil ainda é fazer o retrato de um homem que viveu muito intensamente o seu tempo, associando por 40 anos a sua vida à vida de seu país – um país complexo e contraditório como é o Brasil; um homem que viveu no fio da navalha, por quase 40 anos clandestino, muitos dos quais preso; um homem que praticamente não deixou imagens, e que tentou apagar as marcas e pistas por todos os lugares por onde passou. Havia que encontrar formas de construir uma narrativa diante de tantas dificuldades. Em nossas pesquisas encontramos materiais fílmicos e iconográficos muito ricos, parte dos quais inéditos no Brasil. Os depoimentos, como já disse, também geraram um material extraordinário, e tudo isso resultou num primeiro corte que considerei bom com 4 horas e meia! Tive que cortar muito. Foi doloroso.

Marighella é um personagem conhecido da história do país, portanto, fazer um documentário sobre ele se justifica ainda mais quando este é capaz de expor novos fatos. O que diria que seu filme traz de novo sobre a vida de seu tio?

O nome de Carlos Marighella foi por muito tempo maldito, sinônimo de bandido, assassino. Não, Marighella não é um personagem muito conhecido. O que se sabe é pouco e é truncado. Minha vontade de jogar um pouco de luz sobre essa figura polêmica e misteriosa deu origem ao filme. Queria falar para um público amplo e variado, e não para os pares. Assim foi preciso tentar encontrar pontes, passagens, canais. Juntar fato e mito, emoção e informação, alguma poesia. Acho que saímos do filme conhecendo um pouco mais sobre Marighella, mesmo sabendo que nenhum retrato é completo.

A produção reverencia a figura de Marighella ao longo de toda narrativa e, em nenhum momento, levanta alguma crítica ao personagem. Não tem medo que parte da audiência o considere parcial demais?

Esse não é um filme objetivo, jornalístico. É um recorte dentre os milhares possíveis. Esse é o meu recorte, o da sobrinha. E eu assumo isso desde o primeiro minuto do filme. Me perguntaram se eu não ia entrevistar “o outro lado”. Não. O outro lado está revelado na maneira como essa história foi contada por todos esses anos; no silêncio da mídia; nas prisões, nas torturas e no assassinato de CM e de seus companheiros. Marighella amava o Brasil e entregou sua vida por uma ideia de país. Podemos não concordar com ele, mas não há como negar sua importância na história desse país.

Seu filme está sendo lançado ao mesmo tempo em que se discute a Comissão Nacional da Verdade, criada para investigar as violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988 no Brasil. Você acha que o país ainda deve explicações sobre os fatos ocorridos nesse período?

Claro que sim. É preciso colocar o dedo na ferida. Foi um período duríssimo, em que muitas barbaridades foram cometidas. Os responsáveis têm de ser punidos.

Fonte: CineClick
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