Meu querido guerrilheiro

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Por Igor Giannasi
igor.giannasi@estadao.com

A então menina Isa não sabia muito sobre o tio Carlos, casado com a tia Clara e que costumava aparecer e desaparecer de sua casa. Nem podia imaginar que o homem brincalhão, que fazia poemas para ela, era o mesmo dos retratos estampados em cartazes de “Procurado”, principal inimigo da ditadura militar, que naquele momento passava pela sua fase de maior endurecimento. Tio Carlos era Carlos Marighella, militante político de esquerda e guerrilheiro baiano, que foi morto em 1969, em uma emboscada dos militares em uma rua de São Paulo. Naquela época, Isa tinha 10 anos.

Agora, aos 53, a diretora Isa Grinspum Ferraz coloca na tela o resultado de sua investigação para descobrir quem foi aquele parente que contribuiu para os rumos políticos do País com o documentário Marighella, que estreia amanhã. “Vale a pena conhecer uma figura como essa, que dialogou com o tempo dele. Ao contar essa história, também vemos a história do Brasil”, define ela.

De convicções políticas firmes, Marighella rompeu com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), contrapondo-se a Luís Carlos Prestes, e, em 1907, formou a Ação libertadora Nacional (ALN) uma das polémicas organizações que radicalizaram e adotaram a luta armada contra o regime. As ações da ALN incluíam assaltos a banco e participação no sequestro de embaixadores. “Mesmo não concordando, ele deu a vida por um ideal do País”, comenta Isa. que preferiu não se ater apenas à fase da militância.

De forma cronológica, ela buscou mostrar a origem da motivação do tio, filho de um anarquista italiano e uma negra descendente de escravos, a se engajar na luta social e seu envolvimento em momentos históricos, como a oposição ao Estado Novo de Getúlio Vargas, e, depois, sua atuação como deputado na Assembleia Constituinte de 1940. A perseguição política que sofreu condenou Marighella a clandestinidade por quase 40 anos.

Um relato amoroso

Se a documentalista deixa transparecer o tom amoroso em seu personagem, ela também explica que não quis fazer um filme imparcial e jornalístico. Ela mesma narra alguns episódios familiares e mescla imagens de época com depoimentos de gente que conviveu com Marighella.

Estão ali a tia Clara Charf, de 87 anos, que manteve um relacionamento com ele de 1947 até sua morte, em 1969; o filho do primeiro casamento, o advogado Carlos Augusto Marighella que só conheceu o pai aos 7 anos), a jornalista Rose Nogueira e o escritor e crítico literário Antonio Candido de Mello e Souza. Curiosamente, há apenas fotografias de Marighella na produção. “Ele não se deixou filmar, nem mesmo quando foi deputado”, diz a diretora.
Isa diz que não foi fácil achar o tom para Marighella. “Com o material que eu tenho, você poderia chorar do começo ao fim”, diz ela, sobre os relatos de tortura de presos políticos a que teve acesso. O único momento em que ela se permitiu o choro foi na fala emocionante da tia Clara sobre a vida na clandestinidade. A história começa alegre e de repente, o semblante muda os olhos se tornam marejados, e ela conta da época em que “não se podia nem rir”.

Havia muito a se contar sobre Marighella e o período da História do País em que ele atuou ativamente. No primeiro cone da diretora, o longa tinha mais de 4 horas – a versão final tem 1h37min. A ideia de mostrar a história de Marighella ronda Isa há quase 30 anos. Em 1986, veio o primeiro roteiro. Mas mesmo com a provação das leis de incentivo, a captação foi insuficiente. Empresas negaram colaboração por causa da temática.

“Vale a pena conhecer uma figura como essa, que dialogou com o tempo dele. Ao contar essa história, também vemos a História do Brasil”

Para aproximar o documentário do público mais jovem. Isa foi atrás de um rapper para a trilha sonora. Após um ano e meio de tentativas, Mano Brown, do Racionais MC’s, compôs Mil Faces de um Homem Leal (Maríghella). O grupo, inclusive, concorre ao prêmio de clipe do ano no VMB da MTV. Isa chamou o ator lázaro Ramos para narrar os textos do próprio Maríghella.

GUERRILHEIRO E POLÍTICO

Para Isa, não apenas os mais jovens desconhecem o período da ditadura militar (1964-1985). “As pessoas já não sabiam o que estava acontecendo na época. Para as novas gerações, então, isso se perdeu’, diz. Ela apoia a Comissão Nacional da Verdade, que investiga casos de violações dos direitos humanos no País. “Tem de botar o dedo na ferida. Há muita história para se contar.” O líder de esquerda Carlos Maríghella nasceu em Salvador, em 5 de dezembro de 1911. Um dos oito filhos do imigrante italiano Augusto Maríghella e da baiana Maria Rita, cresceu ouvindo os questionamentos do pai anarquista. Virou militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) quando ainda era aluno de Engenharia Civil da antiga Escola Politécnica da Bahia, mas desistiu do curso. Aos 21 anos, foi preso pela primeira vez por causa de poemas ridicularizando o interventor da Bahia Juracy Magalhães. Divergências políticas o levaram à prisão por diversas vezes, como durante o Estado Novo, de Getúlio Vargas. Em 1967, rompeu com o PCB e criou a Ação Libertadora Nacional (ALN), organização guerrilheira que pregava a luta armada contra o regime político vigente. Em 69, foi morto a tiros, dentro de um fusca, em São Paulo, em uma emboscada dos militares. IG.

Fonte: Jornal da Tarde

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