A hora do terror no cinema brasileiro

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Gênero normalmente relegado a pioneiros como José Mojica Marins ganha produções com atores consagrados e diretores experientes

RIO – Fonte inesgotável de renda para várias cinematografias, mas historicamente menosprezado pela brasileira, o filme de terror — e suas variantes — ensaia uma conquista de um mercado ávido por fórmulas de sucesso. Dirigido por Marco Dutra e protagonizado por Antonio Fagundes, Marat Descartes e a cantora Sandy Leah, “Quando eu era vivo”, que abriu a 17ª Mostra Tiradentes no fim de semana e estreia na próxima sexta, inaugura uma safra de projetos do gênero a caminho de um circuito que costuma reclamar da hegemonia do produto estrangeiro em suas salas.

A lista de iniciativas no segmento do terror/horror/suspense só aumenta. Em maio, chega às telas “Isolados”, de Tomás Portella, com Bruno Gagliasso e Regiane Alves fugindo de dois irmãos assassinos em série. No último sábado começaram as filmagens de “Mate-me”, de Anita Rocha da Silveira, que joga um pouco de humor numa trama envolvendo assassinatos de jovens da Barra da Tijuca. Há ainda projetos ligados a diretores como Daniel Aragão, Andrucha Waddington, Dennison Ramalho e Walter Lima Jr, em diferentes estágios de desenvolvimento.

— Desde a época da faculdade, ouvia dizer que, no Brasil, não podíamos fazer esse ou aquele tipo de filme, porque não tínhamos capacidade ou recursos. Temos que abrir mão dessa ideia de que há coisas que não são nossas por natureza, porque as ferramentas estariam em poder de outra nacionalidade — entende Dutra, paulista de 34 anos que flertou com o gênero no filme “Trabalhar cansa” (2011), codirigido com Juliana Rojas, exibido no Festival de Cannes, na França. — O filme de terror é um desses espaços que precisam ser conquistados. Temos instrumentos e bagagem cultural para explorá-lo.

Adaptação do romance “A arte de produzir efeito sem causa”, do escritor e quadrinista Lourenço Mutarelli, “Quando eu era vivo” é produzido pela RT Features, do produtor carioca Rodrigo Teixeira, nome por trás de bem- sucedidas investidas no cinema independente como “O cheiro do ralo” (2006) e “Frances Ha” (2012). Entusiasmado com a experiência, ele voltará ao filão com uma trama inspirada em um trecho de “Drácula de Bram Stoker”, envolvendo um navio cujos tripulantes não chegaram vivos ao destino, que será dirigida por Dutra.

— As gerações anteriores de cineastas brasileiros não enxergavam no terror ou no sobrenatural algo que conversasse com elas, estavam mais ligadas ao cinema europeu ou ao filme social — diz Teixeira, de 36 anos, tentando explicar a resistência do mercado nacional ao gênero. — Há toda uma geração que tem uma relação forte com o cinema americano dos anos 1970, 1980, que acompanhou diretores como Joe Dante, disposta a colocar em prática essas paixões. Temos histórias para isso. Monteiro Lobato flertou muito com essa cultura do sobrenatural e do folclore, por exemplo.

Durante muitas décadas, o filme de terror brasileiro esteve associado à filmografia de José Mojica Marins, o popular Zé do Caixão, que construiu todo um universo de filmes populares, realizados de forma quase caseira, a partir do final dos anos 1950. Em anos recentes, o capixaba Rodrigo Aragão tentou ressuscitar a tradição do método do realizador paulistano, com filmes feitos com muito sangue cenográfico e pouco dinheiro, como “Mangue negro” (2008) e “A noite dos chupacabras” (2011) que, no Brasil, ficaram limitados ao circuito de festivais.

— A principal razão para o gênero não ser melhor explorado é que, historicamente, nunca houve bons projetos circulando no mercado. Isso mudou muito nos últimos anos, e creio que o filão se erguerá um pouco da obscuridade no futuro próximo — acredita Dennison Ramalho, que serviu como assistente de direção de Mojica em “Encarnação do demônio” (2008), que tentou reerguer a carreira do cineasta. — A política atual no cinema brasileiro não permite a criação de nichos. Patrocinadores não querem se associar a filmes de terror.

Ramalho, que acabou de finalizar o curta-metragem “J de Jesus”, uma resposta aos pastores evangélicos que defendem a “cura gay”, para um longa-metragem americano em episódios intitulado “The abc’s of death 2”, e desenvolve o longo “Cruz das almas” com a TC Filmes, de São Paulo, diz que fazer histórias de horror “implica em risco, porque muita gente tem horror ao horror”. Assim faz coro Tomás Portella, que precisou dirigir uma comédia romântica (“Qualquer gato vira-lata”) para então se aventurar no terreno do suspense em “Isolados”.

— Acho que, no Brasil, rola um medo de ser pioneiro, em qualquer área. Quem diria que um filme de ação poderia ser feito no país, antes da repercussão de “Tropa de elite” (2007), do José Padilha)? — pergunta Portella, que em março entra no set de “B.O. — Boletim de ocorrências”, trama sobre corrupção policial estrelada por Cleo Pires, Fabrício Boliveira e Thiago Martins. — Este filme só foi possível graças a alguém que foi um pioneiro. Estou tentando fazer a mesma coisa com “Isolados”.

A falta de referências locais obriga os cineastas a buscarem elementos inspiradores no exterior. Marco Dutra confessa que “Quando eu era vivo”, por exemplo, tem coisas de “O iluminado” (1980), de Stanley Kubrick, e “O bebê de Rosemary” (1968), de Roman Polanski. A carioca Anita Rocha da Silveira diz que “Mate-me”, sua estreia no longa, “remete a “Carrie, a estranha” (1976), de Brian de Palma, “Cat people” (1982), de Paul Schrader e, principalmente, à série de TV “Twin Peaks” (1990), de David Lynch.

— Espero que, num futuro próximo, tenhamos produção suficiente para não precisar recorrer a exemplos estrangeiros — sonha o produtor Rodrigo Teixeira.

Fonte: O Globo

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